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domingo, 1 de setembro de 2013

Bandido honesto


Era ele. Sempre o mesmo menininho esfarrapado que batia na porta da minha vizinha todos os dias, mas ela nunca dava a ele a chance de terminar a frase: fechava a porta na cara dele. Eu, que observava o acontecimento de longe pela minha janela, tinha pena do menino. Custava minha vizinha deixar o pobre dizer por que estava ali?  

            Naquele dia, porém, o garoto, já cansado de ter a porta fechada sem cerimônia no meio da frase, resolveu bater na minha porta. Para não fazer aquele papelão como o que fizera minha amiga, atendi a porta com a expressão mais descontraída possível:

            – Sim?

            – Oi, moça! Será que você pode me ajudar?  

            Então era isso. Ia pedir esmola, ou um lugar para dormir e comida, ou quem sabe acesso grátis a um telefone (leia-se: meu telefone residencial) para falar com parentes. Agora entendia porque minha vizinha sempre fechava a porta para não ter que ouvi-lo dizer pela enésima vez a mesma coisa. Mas deixei-o continuar:

            – Sabe a sua vizinha? Não sei se comentou com a senhora, mas foi assaltada semana passada, e o filho do assaltante me conhece, o que acaba me tachando de bandido também, mas tem suas vantagem, . Então, como eu tava dizendo, esse filho conseguiu pegar a carteira dela e me deu. Aí outro dia eu vi ela entrando em casa e reconheci pela foto na identidade. Resolvi chamá-la, mas ela fecha a porta na minha cara sempre que eu vou lá. Você pode devolver para ela, por favor?

            E me entregou uma carteira de couro marrom bonitinha. Eu abri e lá estava, perfeitamente alinhada com os cartões de crédito, a identidade da minha amiga com uma foto que foi tirada provavelmente há uns anos atrás. Sorri e respondi:

            – Muito obrigada! Pode ficar tranquilo que vou fazer a entrega direitinho!

            Ele acenou, já longe, e desapareceu no meio das ruas barulhentas e movimentadas da cidade, talvez para bancar o bandido honesto com mais alguém.