Era
ele. Sempre o mesmo menininho esfarrapado que batia na porta da minha vizinha
todos os dias, mas ela nunca dava a ele a chance de terminar a frase: fechava a
porta na cara dele. Eu, que observava o acontecimento de longe pela minha janela,
tinha pena do menino. Custava minha vizinha deixar o pobre dizer por que estava
ali?
Naquele dia, porém, o garoto, já
cansado de ter a porta fechada sem cerimônia no meio da frase, resolveu bater
na minha porta. Para não fazer aquele papelão como o que fizera minha amiga,
atendi a porta com a expressão mais descontraída possível:
–
Sim?
– Oi, moça! Será que você pode me
ajudar?
Então era isso. Ia pedir esmola, ou
um lugar para dormir e comida, ou quem sabe acesso grátis a um telefone (leia-se:
meu telefone residencial) para falar
com parentes. Agora entendia porque minha vizinha sempre fechava a porta para
não ter que ouvi-lo dizer pela enésima vez a mesma coisa. Mas deixei-o
continuar:
– Sabe a sua vizinha? Não sei se
comentou com a senhora, mas foi assaltada semana passada, e o filho do
assaltante me conhece, o que acaba me tachando de bandido também, mas tem suas vantagem, né. Então, como eu tava
dizendo, esse filho conseguiu pegar a carteira dela e me deu. Aí outro dia eu vi ela entrando em casa e reconheci pela
foto na identidade. Resolvi chamá-la, mas ela fecha a porta na minha cara
sempre que eu vou lá. Você pode devolver para ela, por favor?
E me entregou uma carteira de couro
marrom bonitinha. Eu abri e lá estava, perfeitamente alinhada com os cartões de
crédito, a identidade da minha amiga com uma foto que foi tirada provavelmente
há uns anos atrás. Sorri e respondi:
– Muito obrigada! Pode ficar
tranquilo que vou fazer a entrega direitinho!
Ele acenou, já longe, e desapareceu no
meio das ruas barulhentas e movimentadas da cidade, talvez para bancar o
bandido honesto com mais alguém.